14.10.07

Velhos companheiros

"A arte de contar torna-se cada vez mais rara porque ela parte, fundamentalmente, da transmissão de uma experiência no sentido pleno, cujas condições de realização já não existem na sociedade capitalista moderna (...) o conselho não consiste em intervir do exterior na vida de outrem, como interpretamos muitas vezes, mas em fazer uma sugestão sobre a continuação de uma história que está sendo narrada. Esta bela definição destaca a inserção do narrador e do ouvinte dentro de um fluxo narrativo comum e vivo, já que a história continua, que está aberta a novas propostas e ao fazer junto (...)". É maravilhoso perceber que estas frases, tão atuais foram ditas por Benjamin na década de 30. É demais reconhecer que meus ídolos como Benjamin, Proust, Nietzsche, Piaget, Marx, Baudelaire estavam certos. Nada mais confortante do que perceber, num domingo de chuva fina e fresca, que há 20 anos Benjamin mudou minha visão sobre comunicação e que demorei outros 20 anos para decantar esse aprendizado, mergulhada em noções funcionalistas e lineares de saber [o partido, a escola, o público, a vida privada, os relacionamentos, o estado, o povo]. Demorei para perceber que não "precisamos explicar tudo" como jornalistas. Não precisamos colher respostas, precisamos compartilhar. Nada como reler livros amarelados, achar anotações de um tempo em que minha letra cursiva era decifrável. Nada como correlacionar cenas, lembrar que no meio do livro de Benjamin encontro um bilhete apaixonado.
Me transporto para o bar narrado, consigo lembrar qual música tocava, a discussão sobre a insustentável leveza do ser, embalada com cerveja. Guardamos bilhetes pela vida, guardamos memórias e muitas vezes ainda buscamos a insustentável leveza, mesmo que seja relendo Benjamin já amarelado pelo tempo linear

2 comentários:

Felipe Lobo disse...

Guardamos papéis, anotações, bilhetes, notas. Cada elemento deste guarda um sentimento, um cheiro, um som, uma luz. Guardamos as lembranças, fazemos dela parte de nós, ainda que não queiramos. E podemos sempre recorrer aos papéis antigos, cheios de sentimentos, sensações, angústias. Faz parte de nós.

Paulo M. disse...

Se está raro a arte de contar imagina a arte de ouvir estórias. Para mim se ouve cada dia menos, mesmo com os ipods.
PM