7.4.09

Duas profissões, uma ética e muitos conflitos de interesses

Estive no Mercado municipal no domingo à tarde. No cardápio, um encontro promovido pela ABI para comemorar o dia do jornalista. E os ingredientes eram de alta qualidade: Ricardo Kotscho, José Hamiltom Ribeiro, Flavio Carrança, Iva Oliveira e Lucius de Mello. O encontro foi mediado por Guilherme Azevedo, do Jornalirismo.

Um dos tópicos do encontro discutiu sobre a questão de assessoria de imprensa e jornalismo. O código de ética do jornalista brasileiro é um só. Não parece nada absurdo, até que se identifique um fenômeno bem brasileiro: o sindicato dos jornalistas brasileiro tem mais da metade de seus membros composto por assessores de imprensa.

Assessoria de imprensa e jornalismo são profissões diferentes. Ambas com origem comum, o curso de jornalismo (ainda que o curso de Relações Públicas tenha também esse papel, mas fica para outra discussão). Apesar da origem comum, são duas profissões. Alguns, como Ricardo Kotscho, dizem que a profissão é uma só, o que muda é a função. De qualquer forma, o que importa é o seguinte: o código de ética dos jornalistas e assessores pode ser o mesmo?

As duas profissões são fundamentais. Acontece que são profissões com focos, trabalho e ética diferente. Nem melhor nem pior: diferente. O interesse é diferente.

Pergtuntei a Kotscho, durante o debate, se ele considerava jornalismo e assessoria como profissões diferentes e se era possível, ao mesmo tempo, ser assessor de imprensa e jornalista de redação. Ele respondeu que ficava bravo quando diziam que ele não era mais jornalista por ter se tornado assessor (ele fez simplesmente a assessoria do candidato e depois presidente da Repúplica, Lula). Que assesoria é função e que quem faz a função é a pessoa.

Contei a ele sobre um exemplo dado pelo professor Eugenio Bucci, durante uma das suas aulas na ECA, comparando assessor e jornalista com juiz, promotor e advogado. Para ser juiz ou promotor, é preciso abrir mão de ser advogado. Para Bucci, assim também deveria ser entre para jornalistas e assessores.

Kotscho disse considerar essa dupla função um grande problema no jornalismo hoje. Quando se é assessor, é impossível exercer a função de jornalista. E vice-versa. Os interesses de um de outro são opostos e estarão em conflito, cedo ou tarde, direta ou indiretamente.

Pelo código de ética atual, é possível que um jornalista seja, ao mesmo tempo assessor de imprensa. O Art. 7º, parágrafo VI diz o seguinte:
VI - realizar cobertura jornalística para o meio de comunicação em que trabalha sobre organizações públicas, privadas ou não-governamentais, da qual seja assessor, empregado, prestador de serviço ou proprietário, nem utilizar o referido veículo para defender os interesses dessas instituições ou de autoridades a elas relacionadas;
É possível interpretar esse artigo como sendo possível que um jornalista seja também assessor ao mesmo tempo, desde que os assuntos não se misturem. Ou seja: seria possível ser jornalista de política e fazer assessoria de uma empresa de alimentos, se os interesses não são conflitantes - o que, convenhamos, é difícil de dizer.

Talvez a ideia tenha sido justamente impedir que isso aconteça, mas interpretação dado por Bucci sobre esse tema permite, de fato, pensar que o código de ética permite que jornalista e assessor sejam funções concomitantes.

Esse é um grande problema ético, já que sempre, de uma forma ou de outra, há interesses envolvidos. Um jornalista que, ao mesmo tempo, é também assessor de imprensa, sempre estará lidando com dois interesses distintos - e não será completamente livre.

Talvez seja hora de repensar a posição de sindicato e repensar o código de ética. É possível ser ético e excelente profissional como assessor ou como jornalista de redação. Mas é preciso deixar claro: uma única ética não pode reger mundos tão diferentes.

Um comentário:

Pollyana Ferrari disse...

Concordo Felipe com a visão do Eugenio Bucci. Uma coisa ou outra. Não dá para ser os dois, sorry Kotscho.