24.5.09

A narrativa como ferramenta norteadora

Para o jornalista americano Gay Talese, que estará na próxima Flip, “os periódicos e revistas têm sobrevivência garantida caso continuem apostando em boas histórias. O jornalismo é a melhor profissão do mundo porque trata da busca da verdade; o resultado disso não pode ser grátis, porque é muito valioso”, diz Talese em entrevista para Folha de S. Paulo em 02 de maio. Concordo com Talese em gênero, número e grau. Mas também tenho que concordar com o repórter aposentado do grupo Knight Ridder, Philip Meyer, autor do livro “Os jornais podem desaparecer”, quando diz que “o velho jornalismo era dominado por um único jornal local e, mesmo no nível nacional, sempre foram alguns poucos jornais que não respondiam a ninguém. Com os blogueiros ou mesmo com outros usos da internet, esta cobrança da qualidade da informação está vindo e forte. Isto será bom para o jornalismo, o padrão de qualidade vai ser mais exigente. Grande parte da imprensa está acostumada com o monopólio da informação e ficou arrogante. A nova mídia será muito mais humilde e mais disposta a aprender”.

As duas afirmações são verdadeiras e complementares. Não vejo divergências entre elas, mas sim novos desafios. O grande problema hoje é que as empresas que detêm jornais impressos acabam se agarrando a uma versão apenas dos fatos. Para Talese, um dos principais erros do “New York Times” foi abrir o conteúdo, que deve ser fechado e pago, pois fazer jornalismo custa. Será que foi só esse o erro do “New York Times”?
A informação custa caro, concordo. Mas o que a web nos trouxe foi um questionamento sobre a qualidade da informação. Ou seja, o modelo informativo, descritivo não dá mais conta. Vou explicar melhor: Não quero abrir pela manhã (02/05/09) o caderno de Esportes da Folha de S. Paulo e ler: “Após susto, Neymar é confirmado na decisão – Atacante, que deixou treino chorando anteontem, atuará na final do Paulista”. Isso eu já ouvi no rádio, já li na internet, já vi na televisão. Qual a novidade? Qual a boa história? Como Talese, um dos expoentes do “new journalism” narraria o susto de Neymar? Essa pergunta nenhum jornal tem feito. Não vejo treinamento em formatos narrativos acontecendo semanalmente nos periódicos.

Como trabalhar a narrativa de uma forma saborosa, criativa e não apenas informar o fato? Pois hoje outros formatos midiáticos já fazem melhor do que o impresso. O fazer jornalístico virou de cabeça para baixo com a edição multimídia aliada à interação com o usuário, que hoje virou protagonista. A narrativa jornalística no ambiente digital tem a seu favor os elementos hipermidiáticos (áudio, vídeo, interação) que garantem uma imersão lúdica ao fato narrado. No caso do impresso estamos em desvantagem em relação às plataformas multiformes, por isso necessitamos de uma boa história, de elementos não ficcionais cobertos de vestimenta literária. Não tem outra fórmula de sucesso para os jornais.
O jornalismo vem sofrendo os impactos provocados pela utilização das NTC (Novas Tecnologias de Comunicação), como também o leitor, já que estamos mudando nosso modo de pensar e de se relacionar com o mundo. Se considerarmos que está surgindo um novo homem, teremos que pensar em uma mudança do sujeito coletivo para o sujeito conectivo. O papel do gatekeeper (porteiro) na teoria do jornalismo sempre foi de selecionar a informação que será ingerida pelo leitor, fazendo com que o receptor não perceba a edição da informação. O leitor agora, como sujeito da ação, percebe claramente que o gatekeeper do modelo impresso está obsoleto.
A evolução da web nestas duas últimas décadas também pode nos ajudar a compreender toda a metamorfose que o jornalismo vem sofrendo com o advento da cibercultura. Temos que voltar para o passado e perceber que no século XIX, o jornal impresso e o livro foram os grandes transformadores da sociedade; no século XX; o cinema, o rádio e a televisão. Cada um desses meios e todos eles em remixagem determinam modificações globais de comportamento da comunidade, para as quais é necessário encontrar a linguagem adequada para os jornais do século XXI. Talvez produzir um híbrido que utilize o online para o noticiário e o impresso para uma análise mais cautelosa. Outro modelo seria usar o online para todas as funções jornalísticas e ter um impresso semanal que seja um resumo das notícias. Não existe uma única fórmula de contar uma boa história. O primeiro passo é abandonar o discurso defensivo, antigo e arrogante. Temos que experimentar e testar junto com o leitor.

Artigo "Internet, a fronteira final?", publicado no especial do jornal Meio & Mensagem de 18 de maio de 2009.

Nenhum comentário: