5.1.07

Marionete nua


A marionete estava nua. Toda a turma havia entrado em cena e eu fiquei no estaleiro. O sol a pino me dizia que o dia ia ser cheio. Os vestidos no cabide, que a Lurdes carregava para o armário, davam o tom da cena. No olhar da minha avó percebi a breguice da família. Gente de bem, onde a matriarca mor, como sempre, ordenava e cuidava pessoalmente dos últimos preparativos para o grande show de bonecos animados. Tudo se movia como abelhas operárias a caminho do trabalho. E eu, como sempre, permanecia abestalhada diante de tamanha orgia.

Naquela manhã ensolarada percebi que havia uma pontinha de tristeza e angústia no olhar da minha bisavó. Ela estava imóvel olhando para a janela – perdida, vazia. Olhei para seu colo e a xícara de café estava tombada. O líquido escuro escorria lentamente pelas suas coxas e ela nem se movia. Corri para ajudá-la e ela me disse baixinho:

- Não se preocupe com uma velha de 89 anos, eu já morri para todos nesta casa e nada mais se mexe na minha vida.

Enxuguei rapidamente seu colo e afaguei sua cabeça, ia dizer que ela era a pessoa que eu mais amava na família. Mas a voz não saiu. Fiquei dura e fria como tinha proposto ser. Não queria sofrer ou me comover, apenas encenar o papel que tinham escrito para mim. “Ser inteligente na escola e burra na vida”. Era o slogan desta peça vivida dia-a-dia por uma atriz coadjuvante, aquela que fica na última fileira do palco e só fala quando precisam de alguém que faça a platéia rir.

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