22.6.06

Vermelho


“Festa estranha, com gente esquisita, eu não tô legal”, lembrei-me automaticamente de Renato Russo. Para comemorar os 14 anos de Rogério, Amparo fez questão de preparar 100 hotdogs, deixando-os ao redor dos molhos. Os saches de ketchup ficaram arrumados em uma cesta de vime na mesa central.

A maionese, em cestas menores decoradas com crochê e dizeres: sirva-se. Nunca tinha entrado na casa de Amparo até aquele dia. Ela me recebeu afobada dizendo que não iria me recepcionar com pompa, pois estava pintando a parede da sala.

-- Vivo sem tempo, só de sábado consigo melhorar a aparência desta casa.
-- Mas fica à vontade, falou saindo carregando nas mãos um rolinho amarelo de espuma, de uns 20 cm. Fico ali vendo os porta-retratos de Rogério bebê, Rogério no campeonato de futebol da escola e agora na 8. série.

-- Como uma mãe se põe a pintar a casa no dia da festa do filho? Pergunto em silêncio.

Resolvi dar uma volta para ver a cor da casa. Apenas cinco meninos jogam videogame em uma TV preta, de 14 polegadas, improvisada para a festa. Ao fundo, Amparo, com seu cabelo todo respingado de branco, pois ela diluiu demais a tinta e agora a Suvinil látex escorre pelo rodapé.

Finalmente consigo entregar o presente. Ele abre, muito tímido, a caixa. Seus olhos, cor de jambo, brilham ao ver que ganhou um CD do Green Day, sua banda favorita. Trocamos dois beijinhos rápidos e ele convida os amigos e a mim para um saboroso hotdog.

As salsichas arrumadas como se fossem participar de uma maratona – todas dispostas lado a lado na travessa. Começo a comer. Seu Luiz, pai de Rogério, vem me cumprimentar. Ao se aproximar, ouço ele resmungando com Amparo.

-- Como os meninos irão comer com este cheiro de tinta fresca?

Ela nem responde, está em outro mundo, distante, com o olhar fixo na parede. Foi tudo muito rápido; ouço apenas Amparo gritando o nome de Rogério. Questão de segundos, Rogério explode um sache de ketchup na parede branco neve.

Vermelho sangue na festa de aniversário.

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