A rua estreita me angustiava. As pessoas feias também. Tudo era árido, marrom, desértico. Casas sem telhado, caixas d´água na cor azul estragavam o céu. Olhei em volta, só pobreza, muros pichados, mulheres arrastando os filhos para escola.
-- Aqui é o fórum? Perguntei para uma gorda que subia a ladeira.
-- É sim, respondeu com um olhar que engata uma pergunta: cadê o filho? Não veio pedir pensão? Só que ficou só no olhar, mas a pergunta veio no vácuo até mim.
A espera ocorria nos bancos da praça, colocados na calçada da edificação de dois andares. Sentei-me ao sol. Lembrei do dia que saí correndo para comprar um despertador, pois sabia que, a partir daquele dia, dormiria sozinha de novo, ninguém mais me chamaria para tomar café.
A vara de Família fica no piso superior, no térreo, a Criminal. Dejavú total. Vejo meu ex e a advogada num terninho rosa Barbie. Já vi esta cena antes, só que o cenário era mais bonito, prédio centenário, advogadas de preto, homens elegantes em ternos bem cortados. Gravatas Armani.
Claudia Fartollo, sala 3, grita o escrivão. O acompanho sem questionar. O tapete vermelho, disposto como em dia de casamento na igreja, cheira a mofo. A sala, com porta-dupla em mogno, tenta passar austeridade.
Ao entrar vejo o juiz em sua pose de Lei. Que jovem? Deve ser mais novo do que eu; com certeza sua primeira Vara. Ele se levanta e inicia a sessão. Percebo que sua beca é curta para ele. Que horror! Juiz feio e com beca curta. Mau presságio.
Todos começam por baixo, penso baixinho. Percebo o vaso com rosas vermelhas, de plástico. Dejavú novamente. Lembro do sábado que casamos pela manhã, num cartório feio, com balcão improvisado, toalha com etiqueta do Extra e rosas brancas, também de plástico.
Ele lê o processo, quer agradar e faz comentários sobre a importância dos pertences pessoais (livros, discos, revistas etc) para os jornalistas.
-- O casamento acabou? Os dois estão certos disto? Sim, responde Leopoldo Henrique. Já esgotamos todas as tentativas. Neste instante o tempo se congela.
Em segundos revi toda nossa história. A magia do encontro na água, o sabor do melhor beijo do mundo, da última temporada de beijos. Tudo começa a ficar turvo; vejo o juiz falando baixinho que a união não gerou filhos e isso era bom.
Percebo que tenho um estranho na minha frente. Percebo também que nosso roteiro chegou ao fim. Um final com paredes rachadas, juiz em início de carreira e uma fila de mulheres com filhos em busca de pensão alimentícia na sala ao lado.
Realmente vejo que não temos mais nada em comum. Ficou apenas a camisa, a calça, o cinto, o sapato – todos presentes meus – talvez até a cueca, mas essa não verei mais. Mas as roupas envelhecem como nós, um dia perderão a cor.
Tudo termina em dez minutos. Entro muda, assino e saio muda.
Desinformação e crise de confiança
Há uma semana
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